sexta-feira, 22 de junho de 2012

O INTERCÂMBIO






Zuleica foi à casa da cunhada. Pra quê?

Descobriu que a outra tinha entrado em um programa de intercâmbio. Para aprender outra língua. Tinha agora um homem negro andando pela casa, completamente nu.

Ela, que estudava francês ficou pensando naquilo. E o homenzarrão passava de um lado a outro com as coisas balançando. A cunhada parecia não importar, dizia que estava aprendendo com facilidade a língua a que se propunha. Quanto à nudez, achou que fosse cultural, não teve coragem de perguntar.

Foi para casa e ficou sonhando. “Ora, se a cunhada tinha um, por que ela não poderia?” Resolveu pedir o seu. Não falou nada para o marido, porque, afinal, era muito caro e não queria assustá-lo.

Três dias depois chegou a caixa. Parecia uma geladeira e não despertou a curiosidade dos vizinhos. Ficou no meio da sala. Zuleica sentada no sofá não sabia o que fazer. Tinha até medo de abrir. E se ele estivesse pelado? Será que o marido poderia lhe emprestar uma roupa. Melhor não. Lembrou-se do negro na casa da cunhada, era um pecado vesti-lo.

Decidiu que era melhor abrir. Afinal, lá dentro tinha um homem cansado. Havia atravessado o oceano e deveria precisar descansar. Foi tirando as tiras de papelão apreensiva, estava bem empacotado. A surpresa não foi pouca quando escutou a voz dentro da caixa.

─ Vamos, madame,  rebola!

Era um português de nordestino. Daqueles bem brasileiros. Terminou de desembrulhar o produto, mas ficou desconfiada.

Lá de dentro saiu um homem baixo que de negro não tinha nada. Embora estivesse nu, Zuleica ficou decepcionada. Não sabia como devolver o produto, mas foi a primeira coisa que pensou.

Tinha alguma coisa de falso nele. Já chegou com um maço de cigarros na mão e a caixa onde veio era uma catinga só.

A mulher passou a desconfiar de que fosse um perigoso bandido. Naquele dia não quis saber de treinar a língua francesa. O baixinho, por outro lado, também não se apresentou para o ofício, sentou no sofá, ajeitou os bagos e pegou o controle da tv tela plana.

Da cozinha fazendo o almoço escutava a zoada. Volta e meia ele passava, com as coisa penduradas, aquela cara previsível nos livros de Lombroso, bebia água e voltava para a sala. Às vezes entrava no banheiro, fazia uma zoada medonha de xixi na água do vazo. Essa era a rotina.

O marido chegou e ele estava lá. Peladão. E o pior: com o controle na mão. O marido voltou vermelho para a cozinha, por onde havia entrado.

─ Zuleica, tem um homem pelado lá na sala!

─ Calma, amor, eu explico!

E ela falou do programa de intercâmbio. Mas também falou para ele da sua frustação. Não que estava esperando um negro alto e bonito, falou para o marido que estava desconfiada daquele homem. O português dele era muito correto para um estrangeiro. Achava que iria aprontar.

De fato, o marido também ficou desconfiado. Colocou uma faca na cintura, mas a mulher o desestimulou de qualquer besteira. Não sabiam o quanto poderia ser perigoso. Aquele homem parecia ser muito frio e o mataria com as próprias mãos.

Ficaram presos, de certa forma, tinham medo de o homem pegar a tv de tela plana, por isso não saiam de casa. Os três ficavam vendo televisão e nada das aulas de francês começar. Zuleica nem queria. Esqueceu-se das aulas de francês, só pensava em se ver livre daquele homem esquisito.

Já tinha uma semana sem ir trabalhar o marido. O homem passava a tarde dormindo dentro da caixa. Era um folgado. Na repartição pensavam que Oscar, como era chamado o marido de Zuleica, tinha morrido ou coisa parecida. Foi, então, uma comitiva para a casa deles. Até o Zacarias, com quem não se dava muito bem, chegou todo preocupado. Logo na entrada, deu um pulo para trás. Deparou-se com o homem nu.

─ Opa, o que é isso Ceará!

Depois de tudo explicado em sutis cochichos pelos cantos, estavam todos solidários ao problema e o estrangeiro nem tchum. Até os vizinhos já sabiam do homem nu da Zuleica. Estavam achando uma pouca vergonha. Ficavam fazendo de conta que varriam a rua só para desgraçar a vida da pobre. Diziam:

─ O marido tem um jeito de corno!

─ Não tem?

Foi aí que o Zacarias teve a ideia. Subiu na telha e ficou correndo lá encima. Fazendo zoada, como zoada de gato namorando no telhado. Nada. Nem o fez bocejar.

Como Zuleica não era de muita conversa foi para a cozinha passar um café, o primeiro a encher a xícara foi o atrevido do estrangeiro. Deslizou por entre a multidão e saiu chupando o café, fazendo aquele barulho horrível, que Zuleica tanto odiava. Era igual quando o marido comia sopa de macarrão, chupava fazendo zoada, deus me livra, pensava ela.

Bom, o fato é que todos estavam na cozinha bebendo café e não a viram sair de mansinho. Foi direto lá na caixa. O poliglota estava refastelando, um ronco gostoso depois de um cafezinho. Quando acordou estava todo amarrado. A mulher ao seu redor com os punhos cerrados. Saiu água dos olhos do moço, mas ela bateu nele mesmo assim. Não parecia tão mau. Encolhido e pelado lembrava uma ratazana molhada.

Quando o povo percebeu, Zuleica já tinha feito o serviço. Agora era só embalar e mandar de volta através do programa televisivo “de volta para minha terra”.

A mulher não se esqueceu da despedida, Au revoir.

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