Descobriu que a outra
tinha entrado em um programa de intercâmbio. Para aprender outra língua. Tinha
agora um homem negro andando pela casa, completamente nu.
Ela, que estudava
francês ficou pensando naquilo. E o homenzarrão passava de um lado a outro com
as coisas balançando. A cunhada parecia não importar, dizia que estava
aprendendo com facilidade a língua a que se propunha. Quanto à nudez, achou que
fosse cultural, não teve coragem de perguntar.
Foi para casa e ficou
sonhando. “Ora, se a cunhada tinha um, por que ela não poderia?” Resolveu
pedir o seu. Não falou nada para o marido, porque, afinal, era muito caro e não
queria assustá-lo.
Três dias depois chegou
a caixa. Parecia uma geladeira e não despertou a curiosidade dos vizinhos.
Ficou no meio da sala. Zuleica sentada no sofá não sabia o que fazer. Tinha até
medo de abrir. E se ele estivesse pelado? Será que o marido poderia lhe
emprestar uma roupa. Melhor não. Lembrou-se do negro na casa da cunhada, era um
pecado vesti-lo.
Decidiu que era melhor
abrir. Afinal, lá dentro tinha um homem cansado. Havia atravessado o oceano e
deveria precisar descansar. Foi tirando as tiras de papelão apreensiva, estava
bem empacotado. A surpresa não foi pouca quando escutou a voz dentro da caixa.
─ Vamos, madame, rebola!
Era um português de
nordestino. Daqueles bem brasileiros. Terminou de desembrulhar o produto, mas
ficou desconfiada.
Lá de dentro saiu um
homem baixo que de negro não tinha nada. Embora estivesse nu, Zuleica ficou
decepcionada. Não sabia como devolver o produto, mas foi a primeira coisa que
pensou.
Tinha alguma coisa de
falso nele. Já chegou com um maço de cigarros na mão e a caixa onde veio era
uma catinga só.
A mulher passou a
desconfiar de que fosse um perigoso bandido. Naquele dia não quis saber de
treinar a língua francesa. O baixinho, por outro lado, também não se apresentou
para o ofício, sentou no sofá, ajeitou os bagos e pegou o controle da tv tela
plana.
Da cozinha fazendo o
almoço escutava a zoada. Volta e meia ele passava, com as coisa penduradas,
aquela cara previsível nos livros de Lombroso, bebia água e voltava para a
sala. Às vezes entrava no banheiro, fazia uma zoada medonha de xixi na água do
vazo. Essa era a rotina.
O marido chegou e ele
estava lá. Peladão. E o pior: com o controle na mão. O marido voltou vermelho
para a cozinha, por onde havia entrado.
─ Zuleica, tem um homem
pelado lá na sala!
─ Calma, amor, eu
explico!
E ela falou do programa
de intercâmbio. Mas também falou para ele da sua frustação. Não que estava
esperando um negro alto e bonito, falou para o marido que estava desconfiada
daquele homem. O português dele era muito correto para um estrangeiro. Achava
que iria aprontar.
De fato, o marido
também ficou desconfiado. Colocou uma faca na cintura, mas a mulher o
desestimulou de qualquer besteira. Não sabiam o quanto poderia ser perigoso.
Aquele homem parecia ser muito frio e o mataria com as próprias mãos.
Ficaram presos, de
certa forma, tinham medo de o homem pegar a tv de tela plana, por isso não
saiam de casa. Os três ficavam vendo televisão e nada das aulas de francês
começar. Zuleica nem queria. Esqueceu-se das aulas de francês, só pensava em se
ver livre daquele homem esquisito.
Já tinha uma semana sem
ir trabalhar o marido. O homem passava a tarde dormindo dentro da caixa. Era um
folgado. Na repartição pensavam que Oscar, como era chamado o marido de
Zuleica, tinha morrido ou coisa parecida. Foi, então, uma comitiva para a casa
deles. Até o Zacarias, com quem não se dava muito bem, chegou todo preocupado.
Logo na entrada, deu um pulo para trás. Deparou-se com o homem nu.
─ Opa, o que é isso
Ceará!
Depois de tudo
explicado em sutis cochichos pelos cantos, estavam todos solidários ao problema
e o estrangeiro nem tchum. Até os
vizinhos já sabiam do homem nu da Zuleica. Estavam achando uma pouca vergonha.
Ficavam fazendo de conta que varriam a rua só para desgraçar a vida da pobre.
Diziam:
─ O marido tem um jeito
de corno!
─ Não tem?
Foi aí que o Zacarias
teve a ideia. Subiu na telha e ficou correndo lá encima. Fazendo zoada, como
zoada de gato namorando no telhado. Nada. Nem o fez bocejar.
Como Zuleica não era de
muita conversa foi para a cozinha passar um café, o primeiro a encher a xícara
foi o atrevido do estrangeiro. Deslizou por entre a multidão e saiu chupando o
café, fazendo aquele barulho horrível, que Zuleica tanto odiava. Era igual
quando o marido comia sopa de macarrão, chupava fazendo zoada, deus me livra,
pensava ela.
Bom, o fato é que todos
estavam na cozinha bebendo café e não a viram sair de mansinho. Foi direto lá
na caixa. O poliglota estava refastelando, um ronco gostoso depois de um
cafezinho. Quando acordou estava todo amarrado. A mulher ao seu redor com os punhos
cerrados. Saiu água dos olhos do moço, mas ela bateu nele mesmo assim. Não
parecia tão mau. Encolhido e pelado lembrava uma ratazana molhada.
Quando o povo percebeu,
Zuleica já tinha feito o serviço. Agora era só embalar e mandar de volta
através do programa televisivo “de volta para minha terra”.
A mulher não se
esqueceu da despedida, Au revoir.
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